CPT e MST lutam pela terra, por educação do campo e pelo fim do trabalho escravo. Por frei Gilvander Moreira[1]
Jornada em defesa da Reforma Agrária em Alagoas, com o lema “Vida digna no campo: essa é a nossa luta!” Foto: Gustavo MarinhoApós abraçarem a luta pelo rompimento das cercas do
latifúndio, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 1975, e o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde 1984, perceberam que lutar por
educação pública de qualidade, especificamente Educação do/no Campo, e com base
nele, também era, é e será sempre imprescindível, pois sem conhecimento crítico
e criativo não acontece emancipação. O MST e a CPT buscam na sua atuação
prática e coletiva a conjugação de forças que sejam de fato uma ecologia de
saberes, baseada no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos
heterogêneos, sendo a ciência moderna apenas um deles, em interações sustentáveis
e dinâmicas. “A Ecologia de Saberes
baseia-se na ideia de que o conhecimento é interconhecimento”, diz
Boaventura de Souza Santos (SANTOS, 2010, p. 53). Assim, o conhecimento
científico, que Boaventura Souza chama de Pensamento Abissal, é apenas uma das
formas de conhecimento e, pior, atrelado aos poderes econômicos e políticos,
desqualifica outros conhecimentos conquistados graças à interação construída na
luta coletiva pela conquista da terra.
Gradativamente,
a atuação da CPT e do MST passou a priorizar a educação popular, segundo a pedagogia
libertadora de Paulo Freire, como ferramenta que faz avançar a luta por
emancipação humana. Importante recordar que a educação popular e a pedagogia de
Paulo Freire - de todas as freirianas e todos os freirianos - nasceram e se
desenvolveram nas entranhas da luta pela terra em relação estreita com as
camponesas e os camponeses exploradas/os e expropriados/as pelo latifúndio e
pelo capitalismo. Na organização interna e nas lutas concretas pela terra, luta
por território, pelas relações de protagonismo que se estabelecem, um
significativo processo pedagógico passa a ser tecido. Processo que busca romper
as cercas do latifúndio, da ignorância e da privatização do conhecimento e, por
outro lado, democratizar a terra e o conhecimento, afirmando assim a
centralidade da luta pela terra e do trabalho coletivo nas lutas da CPT e do
MST. No livro Pedagogia do Oprimido,
Paulo Freire se refere constantemente à terra como matriz pedagógica que tem um
grande potencial emancipatório.
A concepção que
fez nascer a CPT afirma que a terra é dom (dávida) de Deus, pertence a Deus.
Esta noção vem da Bíblia e está ali presente em diversas passagens. A Campanha da Fraternidade de 1986, com o tema “Fraternidade e
terra” e o lema “Terra de Deus, terra de irmãos,” contribuiu para legitimar a
atuação da CPT, do MST recém-criado, para fomentar o nascimento de centenas de
movimentos populares camponeses e fortaleceu a mobilização popular para
inscrever na Constituição de 1988 a prescrição de desapropriação de latifúndios
que não cumprem a função social para fins de reforma agrária.
Mesmo pertencendo a Deus, a terra, expropriada do
campesinato nas sociedades capitalistas, só se torna dos camponeses e das
camponesas - sem dinheiro para comprá-la -, se for conquistada na luta
coletiva. Assim se deu com os povos da Bíblia, em todos os povos do mundo e
acontece atualmente no Brasil na luta dos Movimentos Populares do campo. Para
resgatar seus territórios invadidos por ‘brancos’ capitalistas, os indígenas
lutam desde antes de Sepé Tiaruju até hoje; os negros lutam pela terra desde
antes de Zumbi dos Palmares e Dandara, por meio dos quilombos, até aos
quilombolas de hoje; os camponeses expulsos da terra lutam pelo resgate de suas
terras desde antes de Antônio Conselheiro e Canudos, passando pelo Contestado,
Ligas Camponesas, até hoje com o MST e tantos outros movimentos camponeses.
“A terra é de
quem nela trabalha”, eis uma concepção defendida pela CPT desde sua origem
há 48 anos. Na diversidade de visões sobre a terra podemos encontrar
coincidências: com uma ou outra visão, mas as identidades serão diferentes. A
terra é espaço disputado e é lócus
sobre o qual se afirmam ou se destroem identidades.
Estima-se que cerca de sete milhões de pessoas negras foram arrancadas da África – pátria de origem, terra de liberdade -, e em navios negreiros trazidos à força para nosso país. Vendidos como mercadoria, ‘peça por peça’, foram usados e abusados como força de trabalho nos engenhos de açúcar, sobrevivendo nas senzalas, depois na mineração e ainda hoje perduram milhares de trabalhadores submetidos a situações análogas à escravidão. No final do ano de 2014 o Brasil tinha 155,3 mil pessoas em situação análoga à escravidão, segundo o relatório Índice de Escravidão Global 2014, da Fundação Walk Free, divulgado dia 17/11/2014. De acordo com a organização, 0,078% dos brasileiros estão nesta condição. Pela primeira vez, segundo o levantamento, o número de pessoas resgatadas em situação de trabalho forçado no setor da construção civil (38% dos casos) foi maior que no setor rural do país. De acordo com a Fundação Walk Free, o Brasil atraiu bilhões de dólares em investimentos para a execução da Copa do Mundo de 2014, o que propiciou o aumento do número de casos em áreas urbanas. O relatório também destaca que a exploração sexual concentrou um grande número de pessoas em situação de trabalho forçado por causa do grande fluxo de turismo nas doze cidades-sede da Copa do Mundo. O relatório da Fundação Walk Free ressaltou que a cidade de Fortaleza concentrou boa parte dos casos de abuso sexual de crianças por turistas. O documento ressalta que ainda há muitas crianças trabalhando como empregadas domésticas. Em 2013, segundo a organização, 258 mil pessoas entre 10 e 17 anos estavam trabalhando como trabalhadoras domésticas no Brasil. Segundo um dos autores do relatório Kevin Bales, também há preocupação com a participação de crianças no tráfico de drogas. De acordo com a Fundação Walk Free, outro dado relevante no país é o fato de muitos bolivianos e peruanos serem explorados na indústria têxtil. Mais da metade dos 100 mil imigrantes bolivianos que entraram no Brasil de forma irregular e são facilmente manipulados por meio da violência, das ameaças de deportação e da servidão por dívida, segundo a pesquisa.[2] Lamentavelmente, a chaga do trabalho escravo contemporâneo continua aberta, conforme atesta a Campanha Permanente pela erradicação do trabalho escravo. E o estado de Minas Gerais está sendo nos últimos anos o estado campeão em trabalho escravo, o que é uma vergonha brutal para o povo mineiro.
Referências
SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Cortez Editora, 2010.
16/03/2023
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto
tratado, acima.
1 - “Firmes e fortes na luta. Não arredamos o pé do nosso
território” (Xukuru-Kariri, em Brumadinho/MG)
2 - “Indígenas sem território sofrem muito. Na luta,
esperança p humanidade” (Xukuru-Kariri, Brumadinho)
3 - Pedro, Alenice e Dep. Bella Gonçalves: Ministro Sílvio
Almeida, Rodoanel e anulação da Resolução, JÁ
4 - Ministro do Lula, Sílvio Almeida, de DH em reunião com
Mov. de luta contra Rodoanel e Resolução Zema
5 - Ministro do Lula, Sílvio Almeida, dos Direitos Humanos,
ouve os clamores contra o Rodoanel na RMBH
6 - Lula e Ministros, o Rodoanel na RMBH será Rodominério,
sem Consulta Prévia e sem licenciamento. V.2
7 - No colo do Lula lutas contra o Rodoanel e pela Anulação
da Resolução do Zema, q viola Convenção 169
8 - "1º livro que li foi meu avô. Luta pelo Território é
luta pela vida de todes” (Dep. Célia Xakriabá)
9 - Dep. Célia Xakriabá (PSOL/MG) na UFMG: “Indigenizar a
cidade e a Política. Aquilombar, sim! Mística!
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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